segunda-feira, dezembro 08, 2014

Thomas Piketty: da crítica à desigualdade para a solução liberal


Bicho-papão? Confesso que fiquei surpreso e, além de críticas certeiras sobre o fisco brasileiro, sua indagação final é objetiva, que tipo de desenvolvimento queremos, o do welfare ou mais liberal? Veja que digo "mais" porque não existe esta besteira de "sem estado". E antes que venham dizendo bobagens, saibam que a Suécia é mais liberal que nosso país, apenas diferentemente sabe gerir recursos públicos. Se discute o direcionamento destes até em nível municipal. Não falo de lei não, mas de debates anuais no legislativo. No entanto, apesar disto, não acredito em welfare state no Brasil, não no próximo século, pois nossa estrutura estatal é viciada. Então, por pragmatismo, mais do que por princípio, o liberalismo econômico nos é mais apropriado. 

a.h


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Cf.: http://www.istoedinheiro.com.br/noticias/entrevistas/20141205/brasil-precisa-reduzir-imposto-sobre-consumo/214465.shtml


“O Brasil precisa reduzir os impostos sobre o consumo e os mais pobres”
Thomas Piketty, professor da Escola de Economia de Paris e autor de O capital no século 21
Pelo tipo de assédio que recebe hoje em dia, o economista francês Thomas Piketty, aos 43 anos de idade, mais parece uma celebridade de Hollywood do que um discreto professor da Escola de Economia de Paris. Suas palestras reúnem multidões de interessados, de jovens estudantes a professores experientes, muitos deles ávidos para conseguir um autógrafo em um exemplar do best-seller O capital no século 21, que o alçou ao posto de fenômeno da área, com elogios de prêmios Nobel e comparações a Karl Marx. O livro ganhou repercussão mundial ao demonstrar, com dados, um aumento na desigualdade nos últimos anos, sugerindo que a renda do capital, herdada, avança mais rapidamente do que a do trabalho, prejudicando a mobilidade social. Em entrevista à DINHEIRO durante sua passagem pelo Brasil, Piketty minimizou o argumento oficial de melhora na desigualdade no País e sugeriu uma elevação de impostos sobre patrimônio e heranças, para permitir a redução da carga tributária sobre o consumo, que afeta a maioria da população.
DINHEIRO – O tema da desigualdade não é novo. Outros economistas já haviam tratado dele antes. Por que o sr. acha que o seu livro teve mais repercussão? 
THOMAS PIKETTY – As tentativas de coletar dados históricos eram muito limitadas. Os estudos, em geral, cobriam um período curto. Para entender as mudanças na desigualdade, é preciso ter uma perspectiva de longo prazo. Isso nunca havia sido feito. Em parte, porque era muito histórico para economistas e muito econômico para os historiadores, então ninguém estava fazendo. Os economistas olham só até dez anos atrás, eles não ligam para a história. E historiadores não ligam para os dados econômicos.
DINHEIRO – A questão da desigualdade estava subestimada? 
PIKETTY – Acho que sempre esteve no centro dos debates, mas era uma discussão teórica, com dados limitados. No passado, Malthus, Marx e Ricardo já falavam bastante de desigualdade, mas não tinham dados. Às vezes, a intuição deles estava certa e, às vezes, não. Hoje, é mais fácil coletar dados por causa da tecnologia. Eu tento, no livro, contar uma história de leitura agradável e acessível sobre esses dados.
DINHEIRO – Um artigo publicado no Financial Times questionou os dados coletados no livro, sugerindo que poderia haver erros. Como o sr. vê essas críticas?
PIKETTY – Eles são confusos. Primeiro, publicaram um texto do colunista Martin Wolf com elogios. Depois, veio um artigo com ataques viciados e sem muita profundidade e mais tarde me deram o prêmio de melhor livro do ano. No final, eles me deram muita publicidade grátis, então eu agradeço. Não reclamo das críticas. Acho que a recepção ao livro foi muito boa, melhor do que o esperado. Eu estava tentando escrever um livro para uma plateia abrangente e internacional. A repercussão se deu como um processo gradual, porque os dados que estávamos coletando, dos EUA, da evolução da parcela do 1% mais rico e dos 10% mais ricos receberam muita atenção nos EUA por um longo período. Começou próximo de 2007, 2008. No início de 2009, quando a administração de Barack Obama publicou o primeiro Orçamento depois da recessão, eles usaram o rascunho da nossa pesquisa, mostrando que nos EUA, antes da crise, em 2007, já havia um crescimento da desigualdade, que estava voltando ao nível de 1928.
DINHEIRO – A crise de 2008 originou o movimento Occupy Wall Street, que foi às ruas questionar o nível de desigualdade. As pessoas não tinham essa percepção antes?
PIKETTY – O movimento Occupy utilizou nossos dados. As informações que coletamos forneceram números concretos para as pessoas usarem e expressarem o ressentimento sobre o que elas intuíam que estava acontecendo. Os números são importantes porque é muito difícil comparar as sociedades ao longo do tempo. Então, ser capaz de comparar a parcela do total da renda que foi para o top 1% em 1928 e em 2007 acabou dando parâmetro para as pessoas compararem sociedades que eram muito difíceis de comparar. É claro que 1% é um grupo pequeno da população, mas é suficiente para representar a sociedade de uma maneira geral. A aristocracia na França, em 1779, antes da Revolução, representava entre 1% e 1,5%. É suficiente para ter uma grande influência na sociedade.
DINHEIRO – Considerando os dados e as conclusões do seu livro, qual a sua avaliação sobre o capitalismo?
PIKETTY – Não diria que o capitalismo falhou. Só acredito que podemos fazer melhor, podemos organizar melhor o capitalismo, para que tenhamos menos desigualdade e mais crescimento. Eu acredito na propriedade privada, nas forças de mercado... Isso permitiu muito crescimento, muitos avanços ao longo do tempo. Então, acho que a gente pode fazer ainda melhor. No Brasil, por exemplo, o nível de desigualdade que existe é excessivo. Não acho que seja útil ter tanta desigualdade.
DINHEIRO – O governo brasileiro tem repetido que a desigualdade está caindo, ao contrário do que aponta o seu livro... 
PIKETTY – Não digo que a desigualdade sempre aumenta. Às vezes, algumas políticas permitem uma redução. Mas não tenho tanta certeza de que a desigualdade caiu tanto, no Brasil. Acho que há falta de transparência sobre os dados de renda. O acesso é muito difícil. As informações preliminares que temos ao usar dados de renda no Brasil sugerem que o nível de desigualdade é ainda maior do que supúnhamos. Todos sabíamos que o Brasil é um país desigual, mas, quando se usam dados fiscais em vez dos coletados em entrevistas nas residências, você tem mais desigualdade do que se pensava. E também a evolução não é tão boa quanto o governo diz. Os dados preliminares de um estudo feito por Marcelo Medeiros, da Uni­versidade de Brasília, mostram que a parcela da renda indo para o topo do 1% mais rico e dos 10% mais ricos, na verdade, cresceu entre 2006 e 2012. Mesmo que tenha crescido um pouco ou caído um pouco, acho que todo mundo concorda que o nível de desigualdade no Brasil é muito alto. Seria um erro acreditar que já se avançou muito nessa questão. Há muitas evidências no mundo que mostram que é possível crescer sem esse nível de desigualdade.
DINHEIRO – Há quem diga que é preciso primeiro crescer, para depois dividir...
PIKETTY – Alguns países conseguiram fazer os dois. Não o Brasil. Muitos conseguiram crescer com menos desigualdade. Muitos países asiáticos, como a Coreia do Sul e Taiwan, têm menos desigualdade do que o Brasil e conseguiram crescer. Muitos países na Europa, como a Suécia, a Alemanha, têm menos desigualdade que o Brasil e conseguem crescer.
DINHEIRO – Por que acha que ainda enfrentamos o problema da transparência sobre os dados de renda?
PIKETTY – Muitos governos temem a transparência. Eles querem manter a informação apenas para eles, porque informação é poder. Isso é muito ruim. Se um governo quer criar a confiança na sua administração, precisa de transparência. Num país como o Brasil, onde todo mundo diz que não há confiança no governo, uma boa forma de se criá-la seria aumentando a transparência sobre o quanto de imposto cada grupo social está pagando.
DINHEIRO – A presidenta Dilma, recém-reeleita, acaba de nomear um economista ortodoxo para o Ministério da Fazenda. Estamos escutando o mercado demais?
PIKETTY – Eu não consigo comentar sobre as políticas que o governo vai conduzir. O que posso dizer é que o Brasil precisa de uma ampla reforma tributária e de mais transparência na questão dos impostos. O sistema no País tem muita tributação indireta, para a classe média. Seria bom reduzir esses impostos indiretos e contar mais com os diretos, promovendo a tributação progressiva e instituindo taxas sobre herança e propriedade. Pagam-se muitos impostos na eletricidade, mas se alguém receber R$ 1 milhão de herança, pagará 4% apenas. Deveria ser o oposto. Deveria haver uma alíquota maior sobre as grandes propriedades e sobre as grandes rendas. Há vários países capitalistas que praticam uma tributação bem maior em herança do que o Brasil, como os EUA, a Ale­manha e o Reino Unido. Neles, o imposto sobre herança é de cerca de 40%. E ninguém diz que deveria reduzir para 4% como no Brasil. E olhe que o primeiro-ministro britânico, David Cameron, e a chanceler alemã, Angela Merkel, não simpatizam muito com a esquerda. É importante criar a confiança no governo, para ter mais transparência no sistema tributário.
DINHEIRO – No livro, o sr. sugere a tributação sobre fortunas como forma de reduzir a desigualdade. Que outros mecanismos podem contribuir para esse processo?
PIKETTY – Há muitas políticas que são importantes. As transferências de renda, como o Bolsa Família e o aumento do salário mínimo, por exemplo. Investimento em educação é a mais importante delas e a tributação progressiva também. Não temos de escolher uma. Tributação progressiva não é só cobrar mais impostos dos ricos, mas também reduzir o peso da tributação sobre os pobres. É importante mostrar às pessoas que o objetivo é reduzir impostos para a maioria e, para que isso possa se pagar, talvez aumentar a taxação sobre grandes propriedades e heranças. Daí se pode reduzir a carga sobre consumo. O Imposto de Renda no Brasil é baixo, se comparado aos padrões internacionais.
DINHEIRO – Precisamos de mais Estado na economia?
PIKETTY – Reduzir imposto sobre o consumo não é aumentar o Estado. Não digo que devemos aumentar todos os impostos. E, sim, que se deve reduzir o imposto sobre o consumo. Talvez, para que isso seja possível, seja necessário aumentar outros, não para deixar o governo maior, mas para reduzir a tributação para os pobres. Atualmente, no Brasil, não acho que seria uma boa ideia aumentar a carga tributária total. É preciso reduzir alguns impostos e, para compensar, talvez aumentar outra parte. No longo prazo, a questão é: o Brasil quer ser uma Suécia ou quer estar no grupo de países com pouco governo.

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