segunda-feira, abril 11, 2016

A Sociedade Órfã, por José Renato Nalini


Alguém quer discutir educação? Então comece a discutir Responsabilidade.

A sociedade órfã | Secretaria da Educação do Estado de São Paulo
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05/04/16

A sociedade órfã


José Renato Nalini, secretário da Educação do Estado de São Paulo

Uma das explicações para a situação de anomia que a sociedade humana enfrenta em nossos dias é a de que ela se tornou órfã. Com efeito. A fragmentação da família, a perda de importância da figura paterna – e também a materna – a irrelevância da Igreja e da Escola em múltiplos ambientes, geram um convívio amorfo. Predominam o egoísmo, o consumismo, o êxtase momentâneo por sensações baratas, a ilusão do sexo, a volúpia da velocidade, o desencanto e o niilismo.

Uma sociedade órfã vai se socorrer de instâncias que substituam a tíbia parentalidade. O Estado assume esse papel de provedor e se assenhoreia de incumbências que não seriam dele. Afinal, Estado é instrumento de coordenação do convívio, assegurador das condições essenciais a que indivíduos e grupos intermediários possam atender à sua vocação. Muito ajuda o Estado que não atrapalha. Que permite o desenvolvimento pleno da iniciativa privada. Apenas controlando excessos, garantindo igualdade de oportunidades e só respondendo por missões elementares e básicas. Segurança e Justiça, como emblemáticas. Tudo o mais, deveria ser providenciado pelos particulares.

Lamentavelmente, não é isso o que ocorre. Da feição “gendarme”, na concepção do “laissez faire, laissez passer”, de mero observador, o Estado moderno assumiu a fisionomia do “welfare state”. Ou seja: considerou-se responsável por inúmeras outras tarefas, formatando exteriorizações múltiplas para vencê-las, se autoatribuindo de tamanhos encargos, que deles não deu mais conta.

A população se acostumou a reivindicar. Tudo aquilo que antigamente era fruto do trabalho, do esforço, do sacrifício e do empenho, passou à categoria de “direito”. E de “direito fundamental”, ou seja, aquele que não pode ser negado e que deve ser usufruído por todas as pessoas.

A proliferação de direitos fundamentais causou a trivialização do conceito de direito e, com esse nome, começaram a ser exigíveis desejos, aspirações, anseios, vontades mimadas e até utopias. Tudo a ser propiciado por um Estado que se tornou onipotente, onisciente, onipresente e perdeu a característica de instrumento, para se converter em finalidade. 

Todas as reivindicações encontram eco no Estado-babá, cuja outra face é o Estado-polvo, tentacular, interventor e intervencionista. Para seu sustento, agrava a arrecadação, penaliza o contribuinte, inventa tributos e é inflexível ao cobrá-los.

Vive-se a paranoia de um Estado a cada dia maior. Inflado, inchado, inflamado e ineficiente. Sob suas formas tradicionais – Executivo, Legislativo e Judiciário. Todas elas alvos fáceis das exigências, cabidas e descabidas, de uma legião ávida por assistência integral. Desde o pré-natal à sepultura, tudo tem de ser oferecido pelo Estado. E assim se acumulam demandas junto ao Governo, junto ao Parlamento, junto ao sistema Justiça.

O Brasil é um caso emblemático. Passa ao restante do globo a sensação de que todos litigam contra todos. São mais de 106 milhões de processos em curso. Mais da metade deles não precisaria estar na Justiça. Mas é preciso atender também ao mercado jurídico, ainda promissor e ainda aliciante de milhões de jovens que se iludem, mas que poderão enfrentar dificuldades irremovíveis num futuro próximo. 

No dia em que a população perceber que ela não precisa ser órfã e que a receita para um Brasil melhor está no resgate dos valores esgarçados: no reforço da família, da escola, da Igreja e do convívio fraterno. Não no viés facilitado de acreditar que a orfandade será corrigida por um Estado que está capenga e perplexo, pois já não sabe como honrar suas ambiciosas promessas de tornar todos ricos e felizes.
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http://inter-ceptor.blogspot.com/
Fas est et ab hoste doceri – Ovídio

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2 comentários:

  1. Muito interessante esse artigo. Discordo do postulado de resgatar a família, a igreja, etc., mas a crítica dele ao Estado é perfeita. A propósito, Leandro Narloch acabou de publicar uma análise muito interessante sobre esse texto do Nalini: http://veja.abril.com.br/blog/cacador-de-mitos/educacao/nalini-para-presidente/

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    1. Acho que em anos que nos conhecemos, é capaz dessa ser a primeira vez que discordamos de algo... Diniz, como sabe, eu não sou religioso, muito pelo contrário até, eu sou ateu! Mas, as instituições sociais, como a família, a igreja criam uma 'cola' que agrega indivíduos em um propósito e, mais importante, uma conduta social que impede (ou minimiza) que muitos trilhem "o lado negro da força", digamos assim. Obviamente que eu não creio que isto seja assim, tão simples, mas em um artigo tão curto e, ao mesmo tempo, tão genérico, se faz impossível não cometer excessos na avaliação. E é exatamente isto que Nalini faz, generaliza. Aqui na minha rua há três residências que eu classificaria como problema: são barulhentos, brigões etc. E são todas ocupadas por famílias tradicionais, homem-pai, mulher-mãe e filhos, o que não os isenta do péssimo comportamento. Mas é possível também detectar correlações (não causalidades, o que poderia nos levar a uma prova) de como o crescimento de famílias monoparentais e filhos ilegítimos andou lado a lado do aumento da delinquência (em países como EUA, p.ex.). Uma dica de literatura a respeito é A Grande Ruptura de F. Fukuyama. Deixo bem claro aqui, o que faz Fukuyama também, que antes não havia paraíso e que os níveis de repressão e submissão da mulher eram grotescos. Bem... Para não me estender mais, não advogo o retorno às condições sociais anteriores como panaceia, mas que na falta de um plano educacional e profissional que garantam um mínimo de estabilidade às populações, a religião e o moralismo familiar suprem uma função. Isto é claramente 'achismo' de minha parte, eu reconheço, mas na falta de explicação melhor, esta me serve.

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